sexta-feira, 12 de julho de 2013

Por uma saúde para/com/de todos

Se tem uma coisa que eu não suporto é briga, acredito que poucas pessoas apreciem esse hábito, de qualquer forma é interessante salientar isso. Briga, violência não leva ninguém a nada, retira a razão de tudo. Digo isso porque fico pensando em como está o clima entre os diversos profissionais de saúde espalhados pelos serviço de saúde do país com todos esses acontecimentos em relação aos médicos e a saúde do nosso país. Como futura profissional da saúde não estou aleatória as notícias em torno desse assunto, tampouco devo me manter neutra ou em silêncio com tudo o que tenho visto, ouvido e lido. Pra começar, vamos assistir a propaganda da mais nova iniciativa do Ministério da Saúde:


A criação do Sistema Único de Saúde - SUS, foi um marco no país por inúmeros motivos, vou citar alguns: conquista social - foi um projeto pensando, escrito e exigido por muitas pessoas por um longo período de tempo; diretrizes que preconizam uma saúde disponível e acessível a todos de forma integral e universal; um direito a ser vivido por todos os brasileiros. Esse processo teve início a partir de 1988, quando a saúde virou direito de todos e dever do Estado na constituição, seguiu até 1990, quando ganhou uma lei orgânica própria: 8080/90. Falar de SUS é falar de um pensamento diferente de saúde, pelo menos do que vinha sendo apresentado até então. 

O índios tinham (e tem) uma forma de pensar e fazer saúde, assim como outros povos desenvolveram seus métodos e formas de tratar enfermidades. A ciência, através de seus métodos científicos foi se desenvolvendo e com a medicina não seria diferente. Não quero me perder muito na história, mas antigamente saúde era pensado estritamente como ausência de doença, você é uma pessoa saudável se não está doente. Por muitos anos no Brasil esse era o pensamento, tanto que o acesso a medicina convencional, ou seja, aos médicos era algo caro, para poucos. O Brasil foi se industrializando e bom era preciso mão de obra sadia para trabalhar e gerar dinheiro, vamos "dar saúde" a esse povo para que possam trabalhar, então com a inspiração de um país ai, vieram os grandes centros hospitalares e o acesso a esses serviços aqueles que possuíam carteira de trabalho assinada. As outras pessoas tinham as freiras com suas casas de misericórdia ou curandeiras para tratar suas doenças, saneamento básico? Lazer? Cultura? Quem precisa disso? 

Dentro desse contexto: "saúde = não ter doenças", entendo perfeitamente a super valorização de uma profissão de concentra seu núcleo de saber no tratamento de doenças. Mas quando vamos analisar  conceito de saúde a partir de uma outra posição, faz-se necessário pensar em formas de suprir as demandas criadas. Segundo a Constituição da Organização Mundial da Saúde: "A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade." Muitos conhecem essa frase, talvez ela seja clichê, mas ai eu gostaria de citar a continuação desse pensamento, que deveria ser tão divulgado quanto o seu início: "Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados. Os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde são de valor para todos." Vejo muito do SUS nisso, apesar dos entraves desse sistema temos alcançados muitos avanços na saúde. Que entraves são esses? Falta de intenção política, interesses econômicos, ignorância da maior parte da sociedade civil; corporativismo de profissões, distorção dos meios de comunicação... cada um deles com muito combustível para conversa.

A grande questão é que esse "novo" (1946) conceito de saúde amplia as possibilidades de atuação para garantir esse estado de bem estar as pessoas. O foco não é mais a doença, mas a pessoa; não é mais uma parte do corpo, mas um indivíduo, e também não mais somente um indivíduo, mas é um contexto social, é algo coletivo, um bem estar comum que faz bem a todos. Isso é um processo, que vem andando, não consigo mensurar uma velocidade, mas esse movimento tem acontecido através das políticas públicas em saúde nas mais diversas temáticas. Muitas coisas vem mudando, mas isso descarta a hipótese das pessoas ficarem doentes? Não. Traz a ideia de que não existe a necessidade de médicos? Tampouco! Vejo ai a grande questão, onde está a estreita cooperação dos indivíduos (profissionais da saúde) para garantir esse direito essencial de todo o ser humano?

Sinceramente, não percebo isso com o Ato Médico, no formato de lei, maior que as outras regulações das demais profissões, como também não percebo isso nesse novo programa do Ministério da Saúde "Mais médicos". Não descarto nem nunca descartarei a importância do médico nos processos de trabalho que envolvem a saúde e produção desta, seria incoerência e burrice da minha parte expressar qualquer tipo de opinião nesse sentido. O que é incabido no contexto onde estamos vivendo, com diversos pensadores debatendo e afirmando a eficácia da multi e interdisciplinaridade em saúde, da ampliação da atenção primária em saúde, da proximidade com as pessoas e numa conduta de trabalho regrada pela amorosidade e empatia permanecer nessa super valorização médica, nesse pensamento centrado em um único profissional. Isso eu sou contra e sempre serei. 

Sabemos que existem exceções, mas pra mim o MS esta pagando um papel ridículo mendigando médicos que não estão abertos ao SUS. Mais uma ação que desvaloriza os demais profissionais de saúde e centraliza a saúde no saber biomédico. As pessoas estão confundindo muito as coisas. Acho que precisam ler Gastão quando escreve sobre campo e núcleo. Ninguém quer invadir as competências do médico. Ninguém quer intervir no trabalho de um profissional que é sim indispensável para o diagnóstico e tratamento de doenças e promoção e prevenção, bem como TODOS os demais núcleos do campo da saúde. Nenhum médico cubano (e daí entramos em outro assunto vigente, a vinda de médicos estrangeiros) vai vir para o brasil ser referência em cirurgia cardiovascular no HCPA, eles virão para trabalhar na unidade de família na Vila Boazinha aqui perto de casa ou lá na cidade distante, Santa Queridinha, no interior do Estado porque são poucos os que querem atuar nesses muitos espaços necessitados. Até onde eu sei, nenhum enfermeiro está pedindo para tratar pacientes com câncer ou retocolite. O melhor seria que os médicos se unissem aos demais profissionais de saúde e vise e versa, o melhor seria que o Ministério da Saúde fosse coerente com suas ações para ampliação da saúde no país. TODOS precisam de estrutura para trabalhar e enquanto a massa médica se recusa a trabalhar por isso, muitos profissionais seguem suando, se virando e recebendo 5, 8, 10 vezes menos entre outros benefícios... 10 mil reais mensais de remuneração, especialização em universidade pública, isso é esmola? Fora o fato de dizer que com esse projeto estaremos levando mais saúde à população brasileira. Se eles estiverem nas estratégias de saúde da família trabalhando com prevenção e promoção até concordo, caso contrário essa expressão está sendo usada de uma forma, no mínimo antiquada/limitada! 

Eu fico me perguntando o porquê de tudo isso, consigo perceber que é uma marca histórica a sociedade, como o Presidente do Conselho de Medicina afirmou: "a população quer ser atendida por médicos", ok, eles querem, mas eles sabem que existem outras opções, outras formas de trabalho. Perguntaram para os médicos se eles querem atender essa população que julga que esse profissional é a única solução já que por anos a saúde era resumida a uma receita médica dentro de um consultório ou numa sala de cirurgia. Não estou com isso querendo desmerecer hospitais, consultórios ou o que quer que seja, mas isso é um fato, não podemos ficar só com isso, já não surte o feito esperado, já não supri a demanda, saúde não é mais só ausência de doença.

Finalizo com dois questionamentos: não há estrutura para médicos trabalharem? Também não há para os demais profissionais da saúde: fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, agentes comunitários, todos tem sofrido com as precariedades dos serviços de saúde e má gestão dos recursos ofertados. Querem aumentar 2 anos de formação na medicina para saúde pública? Coloca esse pessoal a fazer VER-SUS, a participar de coletivos estudantis como o Elos, o qual eu faço parte e uma amiga muito querida do curso de medicina. Gente, existem dispositivos para qualificar a formação de estudantes da saúde, basta olhar pro lado. Que os médicos somem aos outros profissionais por valorização de salários, por melhor condições de trabalho e estrutura para TODOS, afinal a saúde é para todos com a ação de todos.  

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