segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Pra não dizer que não falei das fotos

Como não sou uma pessoa objetiva tampouco dada a poesia vou me atrever a escrever um texto sobre foto, mesmo não sendo da comunicação, no intuito de tirar o excesso de palavras contidas em meu interior.

Lembranças são fotografias da vida reveladas na alma, marcas presentes de um passado que, próximo ou não, refletem nas nossas percepções acerca do futuro. Ao olhar para uma pessoa, você está se deparando com um painel de imagens que se revela de formas, tamanhos e organização distintas, únicas, mesmo que seja possível ver semelhanças entre um painel e outro. Lembro do meu primeiro tombo de bicicleta; de quando percebi que sabia escrever e, quando descobri minha paixão por escrever aleatoriedades. Assim como existem muitas fotografias no meu painel, encontro muitos espaços em branco, esperando para serem preenchidos, também, existem aquelas fotos que podem ser realocadas para otimizar os espaços. 

Fecho os olhos e resgato lugares, pessoas e conversas que despertaram novos sentimentos e desejos nos planos que eu traçava para minha vida, nesse sentido, destaco o desenvolvimento da minha espiritualidade, os princípios e valores que constroem minha fé e são a base para minhas decisões. Essa cosmovisão permitiu que eu “descolasse” meus olhos da minha própria vida e das fotos que eu ainda queria tirar, para olhar o mundo e compreender que as minhas ações também eram fotos que se revelavam por ai, deixando marcas em painéis alheios, despertando desejos e vontades em outras histórias. Que frio na barriga! Que loucura pensar nisso, e as lacunas que antes queria preencher apenas comigo e os meus sonhos, comecei a querer revelar com os resultados dos encontros com outros, então as lembranças não são mais somente minhas, mas de muita gente, sou eu no outro e o outro em mim.

Nem todas as lembranças formam boas fotografias, algumas até eu preferia nem ter tirado. Há inúmeros motivos para que esses registros não sejam tão agradáveis quanto quiséssemos que fossem, dentre as razões, se existe uma verdade sobre fotografia, é que nunca se faz sozinha. Ela só se constitui a partir de um observador para um objeto observado, então, mesmo quando só está você no quadro da lente, esse registro depende, minimamente, de um cenário e quem o registre.

Prolongar-me-ia mais falando das boas lembranças que tenho nesses meus curtos dias de vida, de fato, elas são muito importantes pra mim e me ajudam a buscar novas vivências. Entretanto, quero aqui, de alguma forma, encontrar uma explicação lógica, coerente ou sensata para o que vivi com alguns colegas na quinta-feira do dia 14 de Dezembro do ano de 2013. Certamente, esse fim de tarde não foi um cenário em que pensei em registrar algum tipo de lembrança. Ainda tento encontrar lógica para tudo o que aconteceu. Faixas, bandeiras, um megafone e não mais que 70 pessoas formavam o grupo de estudantes no ato contra ações verticais da instituição de ensino o qual fazemos parte.


Uma coisa que não falei sobre as fotos é que cada uma é carregada de uma história, muitas vezes bem mas antiga que os atores que a formam. Falo isso porque quando olhamos o ato da quinta-feira precisamos olhá-lo como uma ação dentro de quatorze dias de ocupação de uma reitoria, que está dentro do inconformismo de estudantes que não se sentem parte integrante de um espaço que é deles, a universidade, que está dentro de uma forma de pensar sobre educação e como se dá o seu desenvolvimento. Não tem como dissociar essas diversas fotografias, que foram se desenvolvendo na realidade dos diversos indivíduos que estavam ou não presentes nos registros de quinta-feira.


A maneira mais fácil e superficial de explicar isso é dizer que a insatisfação desse estudantes pode ser resolvida indo para outra universidade, ou questionando a presença de alunos bolsistas dentro da manifestação, ou que existiriam outras possibilidades de ações a serem tomadas sem conhecer a história do fato e/ou sem citar essas outras possibilidades a serem feitas. A forma mais fácil e superficial de lidar com algo que incomoda é ignorar ou excluir, rasurar, tentar apagar, quem sabe reprimir. Vamos esquecer todo o contexto, todas as motivações e reflexões acerca da mercantilização da educação, do investimento em instituições privadas para suprir uma demanda que devia ser garantida pelo Estado, das burocracias que dificultam e inviabilizam processos criativos que poderiam potencializar ainda mais as ações de um espaço de aprendizagem como uma universidade. Esqueçamos de tudo isso e fixemos nossos olhos para um muro pixado, o que, segundo os escritos nos jornais eletrônicos, justificou ação violenta do Pelotão de Operações Especiais – POE sob estudantes na Avenida Unisinos. Armas de fogo, cassetetes, bombas e balas (seja elas quais forem), insultos, empurrões, gritos foram as respostas mais altas que a ocupação ouviu até agora.

Existe lógica nisso? Existe alguma explicação para todo esse descaso, para o silêncio ou para a(s) resposta(s) vazias? Por mais que eu tente, não consigo, é incompreensível pra mim. Tentam encontrar paradoxos para essa movimentação estudantil. A meu ver, paradoxal é essa posição demagoga de uma instituição de ensino que preza pelo desenvolvimento integral crítico e reflexivo do ser humano. Paradoxal é a afirmação de que sou infinitas possibilidades, desde que dentro de um circo de burocracias e informações mascaradas.

Fisicamente, fui a menos agredida do grupo de estudantes que estava no ato. Há quatro dias desse momento horrível, as dores já não fazem mais parte de mim. O que permanece são as lembranças, marcas que não gostaria de carregar mas que vão permanecer. Marcas que quando feitas queriam silenciar, todavia de forma alguma vão alcançar tal objetivo. Essa certeza eu tenho porque minha voz não está sozinha, antes de mim já se ouvia e após também a fala de cidadania, educação e coletividade. Que comunitário é o produto de uma produção comum a muitos e isso só é possível se muitos fizerem parte da construção. Bom, mas esta foi mais uma foto no meu painel, que venham outras, melhores, espero eu.

"Caminhando e cantando 
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção"
[Geraldo Vandré]