segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Falam por mim | Rubem Alves - Pinóquio as Avessas

Oi gente querida! =)

Não já estou há algum tempo sem escrever aqui. Queria ter registrado algo em alusão ao dia do nutricionista, 31 de Agosto, mas com as loucuras do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) não estou conseguindo tempo para me organizar. Confesso, também não estou com pensamentos organizados o suficiente para registrar qualquer registro pessoal, muitas situações, muitos pensamentos, muitas borbulhas. Assim, resolvi recorrer a textos de queridos que de alguma forma falam por mim o que tenho sentido frente as vicissitudes dos meus dias. O texto em questão é do Rubem Alves, extraído do livro Estórias de quem gosta de ensinar, ano 1988. Vamos a ele. =)


Pinóquio às Avessas - Rubem Alves

Não conheço estória que combine malandragem psicanalítica com convicção pedagógica como Pinóquio. Depois de levar a criança a se identificar com um boneco de pau, a trama progride proclamando que é necessário ir à escola para se virar gente. Caso contrário o destino inevitável é virar burro, com rabo, orelhas, zurros e o tudo mais que pertence à burrice. Claro que este é um golpe desonesto. Seria necessário dizer com clareza aquilo que aqui ficou simplesmente mal dito, contando sobre o destino invertido daqueles que eram carne e osso ao entrar na escola e só receberam diplomas depois de se transformarem em bonecos de pau.

Alguém já devia ter dito estas coisas às crianças: é uma exigência de honestidade. Mas ninguém até agora se atreveu. A razão? Parece que dentro de cada um de nós mora um Gepeto. A inversão do script poderia parecer uma tentativa de corromper a juventude, e o inovador acabaria por ser enxotado, como se fosse parte do bando de espertalhões que desviou Pinóquio do sagrado caminho em busca da humanidade, o caminho da escola.

Quero tomar este risco. Ainda vou inventar a tal estória. A moral já está pronta: por vezes, a maior prova de inteligência se encontra na recusa em aprender.

Sei que esta proposta é insólita e que o leitor, meio Gepeto sem saber (como eu também, quando mando meus filhos à escola), haverá de me pedir explicações. Confesso que não tenho muitas evidências em minhas mãos. Ainda não fiz as pesquisas e nem fichei as notas de rodapé. Mas os meus pensamentos se metamorfosearam em uma parábola que passo a contar:

O rei Leão. nobre e cavalheiro, resolveu certa vez que nenhum dos seus súditos haveria de morrer na ignorância. Que bem maior que a educação poderia existir? Convocou o urubu, impecavelmente trajado em sua beca doutoral, companheiro de preferências e de churrasco, para assumir a responsabilidade de organizar e redigir a cruzada do saber. Que os bichos precisavam de educação, não havia dúvidas. O problema primeiro era o que ensinar. Questão de currículo: estabelecer as coisas sobre as quais os mestres iriam falar e os discípulos iriam aprender. Parece que havia  acordo entre os participantes do grupo de trabalho, todos os urubus, é claro: os pensamentos dos urubus eram as mais adequadas para uma saúde perfeita; a cor dos urubus era a mais tranquilizante; o canto dos urubus era o mais bonito. Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos. E assim se organizaram os currículos, com todo o rigor e precisão que as últimas conquistas da didática e da psicologia da aprendizagem podem merecer. Elaborar-se sistemas sofisticados de avaliação para teste de aprendizagem. Os futuros mestres foram informados da importância do diálogo para que o ensino fosse mais eficaz e chegavam mesmo, vez por outra, a citar Martin Buber. Isto tudo sem falar na parafernália tecnológica que se importou do exterior, máquinas sofisticadas que podiam repetir as aulas à vontade para os mais burrinhos, e fascinantes circuitos de televisão. Ah! que beleza. Tudo aquilo dava uma deliciosa impressão de progresso e eficiência e os repórteres não se cansavam de fotografar as luzinhas piscantes das máquinas que haveriam de produzir saber, como uma linha de montagem produz automóvel. Questão de organização, questão técnica. Não poderia haver falhas.

Começaram as aulas, de clareza meridiana. Todo mundo entendia. Só que o corpo rejeitava. Depois de uma aula sobre o cheiro e o gosto bom da carniça, podiam-se ver grupinhos de pássaros que discretamente (para não ofender os mestres) vomitavam atrás das árvores. Por mais que fizessem ordem unida para aprender o gingado do urubu, bastava que se pilhassem fora da escola para que voltassem todos os velhos e detestáveis hábitos de andar. E o pavão e as araras não paravam de cochichar, caçoando da cor dos urubus: "Preto é a cor mais bonita?" Uma ova..."

E assim as coisas se desenrolaram, de fracasso a fracasso, a despeito dos métodos cada vez mais científicos e das estatísticas que subiam. E todos comentavam, sem entender: "A educação vai muito mal..."

Gosto de estórias porque elas dizem com poucas palavras aquilo que as análises dizem de forma complicada. Todo mundo reclama do fracasso da educação no Brasil. Os alunos de hoje não são como os alunos de antigamente. Nem mesmo sabem escrever. Que dizer do aprendizado da Ciência, esta coisa tão importante para o projeto Brasil grande potência? E eu fico a me perguntar se o problema não está justamente aqui. Um bem-te-vi que consiga se aprovado com distinção na escola dos urubus (quem sabe com um daqueles Q.I.s de causar inveja?) pode ser muito inteligente para os urubus. Bem-te-vi é que ele não é. Não passa de um degenerado. E aqui volto à moral da estória do Pinóquio às avessas, que ainda vou escrever, aquela mesma que causou o espanto: por vezes, a maior prova de inteligência se encontra na recusa em aprender.

É que o corpo tem razões que a didática ignora. Vomitar é doença ou é saúde? Quando o estômago está embrulhado, aquela terrível sensação de enjoo, todo mundo sabe que o dedo no fundo da garganta provocará a contração desagradável mas saudável. Fora com a coisa que violenta o corpo! Nietzsche dizia em certo lugar (não consegui encontrar a citação) que ele amava os estômagos recalcitrantes, exigentes, que escolhiam a sua comida, e detestava os avestruzes, capazes de passar em todos os testes de inteligência, por sua habilidade de digerir tudo. Estômago exigente, capaz de resistir e de vomitar. Em cada vômito uma denúncia: a comida é imprópria para a vida.

E eu me pergunto se este tão denunciado e tão chorado fracasso da educação brasileira não será antes um sinal de esperança, de que continuamos capazes de discernir o que é bom para o corpo daquilo que só é bom para o lucro. Esquecer depressa: não é esta a forma pela qual a cabeça vomita a comida de urubu que lhe foi imposta? Cursinho vestibular, exame vestibular: banquete de urubu? E fácil saber. Que se sirva a mesma comida, seis meses depois.

Uma ideia a ser explorada: para educar bem-te-vi é preciso gostar de bem-te-vi, respeitar o seu gosto, não ter projeto de transformá-lo em urubu. Um bem-te-vi será sempre um urubu de segunda categoria. Talvez, para se repensar a educação e o futuro da Ciência, devêssemos começar não dos currículos-cardápios, mas do desejo do corpo que se oferece à educação. É isto: começar do desejo...

Alves em 1988 registra um contexto ainda atual. Fico pensando que esse texto não limita-se ao ensino fundamental e médio. Fico pensando que a universidade em muitos momentos simplesmente segue a mesma didática de produção. Fico pensando e pensando... 

domingo, 13 de julho de 2014

Momento Nostalgia - Saúde, vida, cores e bolhas

Oi queridones,

hoje tirei o dia para escrever, mas não aqui, a escrita hoje foi no meu trabalho de conclusão da graduação. Não sei para outras pessoas, mas para mim, tem essa tarefa para fazer é um misto de prazer e angústia. Prazer porque amo o tema que estou tratando, a saber, potencial social de hortas urbanas e as possibilidades de atuação profissional do nutricionista nesse contexto. Lindo, né? Sou super suspeita para falar, sei disso! A angústia vem por querer que ele fique tão lindo a ponto das outras pessoas também verem beleza na pesquisa, sei que, pessoalmente, vejo muita relevância nesse assunto, mas quero escrever de tal forma que além de compartilhar conhecimento ele tenha sentido para o leitor que chegar seus olhos pelas suas páginas. Isso implica em querer explicar tudo "tim-tim por tim-tim" _já que na nutrição pouco se fala sobre isso_ o que torna a escrita "um pouco" extensa e tenho que ler muitas coisas para poder tecer a linha de raciocínio nem tão objetivo mas claro. =)

Minha orientadora é uma antropóloga queridona que me ajuda constantemente, além de plantar mais caraminholas na minha cabeça, que me fazem nutrir um carinho mais "rebuscado" sobre o assunto e alonga meus capítulos porque a cada conversa é mais assunto para acrescentar. Quando ele estiver prontinho, eu o coloco aqui com toda a certeza! Por enquanto, o deixa guardadinho no meu computador, pendrive, e-mail, não posso perdê-lo! (risos).

Quero registrar aqui um texto que escrevi há algum tempo, lá no meu blog antigo. Hoje dei uma relida em boa parte das minhas postagens a procura de fragmentos que já tivesse escrito sobre saúde para encontrar um lugarzinho esperto no meu TCC. Ao me deparar com esse texto, fiquei imensamente feliz ao lê-lo e perceber que ainda faz um baita sentido na minha vida, mesmo que não tenha conseguido colocar alguma parte dele na formalidade do meu texto acadêmico.

Relembrar é viver, momentos de nostalgia são sempre bons e espero que vocês curtam a leitura. ;)

beijos doces. =*








Saúde, vida, cores e bolhas




Saúde é vida e vida, entre muitas coisas, é pertencimento. Pertencer é fazer parte de algo ou alguém, todo mundo quer ser alguém em algum lugar e isso é fazer parte de algo, é pertencer a si e ao mundo, ou a uma parte dele. Mundo, um lugar diverso e complexo, cheio de cenas e atores, tudo muito dinâmico em constantes modificações. Existe muita vida dentro de cada cenário deste planeta, alguns cheios de cores, em que muitos querem pertencer, contudo, há também aqueles em preto e branco a qual poucos pertencem não querendo pertencer, quem quer?

Na adolescência comecei abrir os olhos para alguns quadros cinzentos, os primeiros foram lá pelo continente africano, com as criancinhas e senhoras sozinhas, órfãos com fome, esquecidos… queria ter uma caixa de lápis de cor para colorir, cores que trouxessem muita vida, esperança e fé. O tempo me mostrou o quão difícil pode ser levar minha caixa de lápis de cor à África, isso demandava muitas competências que na época eu não conseguia pensar em ter, de qualquer forma o desejo era grande, eu queria muito colorir!

Quando estava a ponto de guardar meus lápis e pensar em outra coisa pra fazer olhei pro lado, e percebi que bem aqui do meu ladinho (quem diria?) existiam também cenários cinzentos, às vezes tão escuros que mal se conseguia definir os contornos, era tudo um borrão, uma grande colisão de solidão, descaso e tristeza.

Gostaria de expor um devaneio, algo que me tirou uma noite de sono pensando, mas que explica muita coisa do que sinto e vivo há alguns anos em minha vida de jovem adulta (ou velha adolescente…). Esse devaneio chama-se Relação com efeito palpável: se você observar uma bolha de sabão perceberá sua beleza, cor, formato e movimento. Se tocar nela terá estabelecido uma relação, sem muito efeito porque ao término do toque haverá tido uma pequena sensação no seu dedo com o fim da frágil bolha.

Em outra situação se você entrar em uma sala repleta de bolhas de sabão a dinâmica será totalmente diferente! Você não somente observa as bolhas, como as sente em todas as partes possíveis para sentir no momento. Chamo de efeito palpável o resultado dessa relação já que mesmo ao sair dessa sala muitas bolhas deixaram de ser, você estará molhado e com cheiro de sabão. Houve uma reação que foi além da observação e contemplação (achar bonito e legal); ocorreu uma integração onde se permitiu a criação de marcas, sensações e significados.

O efeito palpável de uma relação são as ações que demonstram se você pertence ou não há alguma situação, se você concorda ou não com o que está vendo. Posso estar imerso em uma cena totalmente colorida, o quanto eu me disponho a colorir outros espaços? Bom, isso depende de quantos espaços cinzentos eu conheço, porque mesmo que eu tenha apenas uma cor de lápis no meu estojo, ela já vai ter um efeito na dinâmica monocromática de algum lugar.

O motivo de eu estar falando tudo isso foi porque eu percebi que posso colorir muitos espaços, não porque eu toquei em uma bolha, mas porque entrei numa sala repleta de bolhas, que gerou em mim marcas, as quais eu não posso, nem quero abrir mão.

Falando mais especificamente sobre saúde, compartilho com vocês algumas realidades: acompanhar os veículos de comunicação, suas notícias sobre o SUS _Sistema Único de Saúde, é tocar uma bolha; ler artigos científicos sobre saúde é tocar em outra bolha; conhecer o SUS, seus princípios e diretrizes e achar o projeto “uma coisa bacana” (que é lindo no papel) ou reclamar dos serviços de saúde, sem conhecer sua rotina e suas dificuldades são outras bolhas.

Quantas bolhas isoladas as pessoas conhecem por ai, e muitas vezes essa observação sozinha faz quantas caixas de lápis serem guardadas em gavetas da mente e sonhos ou menosprezadas por palavras pessimistas e ações destrutivas. Agora, permitam-se entrar em uma realidade diferente da sua para ouvir seus sujeitos, suas histórias. Deixe que seus pés pisem em um chão nunca pisado antes, senta o sol num horário nunca antes tentado, abra os olhos para as muitas caixas de lápis fechadas por não saberem o que fazer com esses instrumentos, tendo tanta coisa a ser feita com eles, tanto a colorir!

Permitir-se viver o que nunca antes foi vivido é adentrar numa sala repleta de bolhas, todas aquelas que mencionei antes e muitas outras ainda desconhecidas, que te deixarão molhado, até mesmo encharcado de saberes, sentidos e significados. Tudo isso é uma breve simbiose que te deixa com um sentimento de pertencimento, mesmo que você ainda não saiba como quer fazer parte dessas pessoas, nesses lugares.

E o VER-SUS nisso tudo? Um projeto disparador que se equivale à porta para a sala de bolhas do SUS. Esse espaço vai te deixa molhado, querendo pertencer a tantas realidades e mostrar o potencial da sua caixinha de lápis de cor, ou quantas caixinhas podem ser formadas com as cores que cada um tem, e quantas realidades podem ser pintadas com o empenho de todos os lápis juntos.

Eu não me esqueci dos grandes cenários cinzentos do mundo, ainda quero poder pintar alimento nos pratos e sorrisos nos rostos de crianças africanas. Hoje, tenho conhecido pessoas que assim como eu estão encharcados de desejos e sonhos, temos iniciado a realização deles através do ELOS Coletivo, espaço de aprendizagens, compartilhares e muita vontade por mudanças. Entendo que tudo o que esse estágio de vivência me proporcionou é cidadania, que são ações de educação, que geram saúde e saúde é vida… que é pertencimento.